Estava frio e sentia-se um vento gelado, daquele que corta a pele e a seca. Esfregou as mãos e pediu para que rapidamente viesse alguém, caso contrário teria que ir embora. Mais depressa tivesse formulado o desejo, tão rápido se satisfaria.
Uma mulher, jovem, talvez na casa dos trinta, algo robusta, mas não anafada, sentou-se a seu lado, mesmo na ponta do banco da paragem do 21. Olhou para dentro do saco que deitou ao colo e procurou, remexendo. Ele sorriu e pensou: As mulheres e os seus sacos, é sempre uma surpresa, nunca sabemos o que dali pode sair, e ao mesmo tempo esperamos que ali tenham de tudo. É surpreendente! E arqueou as sobrancelhas, arregalando os olhos.
Ela sentiu os seus olhos revirados e perguntou, incomodada.
-Qual é o problema? Tem algum problema??!! Estou a mexer no que é meu!
- Não, menina! De modo algum. Estava apenas aqui a pensar para comigo. Nada mais!
- Acho bem!
Tirou do saco uma escova de cabelo e penteou-o vigorosamente. Era comprido, algo ondulado e luzidio. E voltou a guardar a escova. Ficaram ambos parados, olhando-se pelo canto do olho. Uma rajada de vento despenteou-a e ela foi de novo com a mão ao saco e repetiu o procedimento anterior.
Virou-se para ele disse:
- Tenho que estar bonita, sabe?! Tenho que chegar a casa bonita, e bem arranjada, ou então ele vai.
- Vai embora?
- Não! Vai procurar outra. É assim, a gente tem que andar arranjada, senão eles começam a procurar melhor por fora. Ah, pois é!
- Pois...
- São uns tolos e anda por aí muita moça ainda mais tola do que eles. Umas galdérias, sabe?! Só lhes sabem fazer porcarias, e eles gostam, sabe?!
- Pois...
- Estou a fazer dieta, sabe?! Já emagreci, mas ainda falta mais. E vou ficar no ponto, não acha?
- Pois, vai sim, claro que vai...
- Mas aquelas porcarias é que não, sabe! No outro dia pediu-me... mas eu, não... não fiz e pronto, sabe!
- Sei, sim...
- É, eles gostam. E você bem o sabe, é homem também!
- Pois...
- Ouça lá, você não sabe dizer mais nada?! Pois, pois, pois... olhe, vem aí o 21. Até à próxima!
- Até à próxima e felicidades. Espero que consiga o que quer e não desista, não o deixe ir, ainda que... sabe?!
- Porco!!!
Entrou no autocarro e mostrou-lhe o dedo do meio, gordito e com a unha pintada de azul.
Azul???!!, exclamou. Cruzou os braços e pensou: está bem, azul... são gostos, mas azul!!
Estava na hora de ir embora, fazia frio e dali nada melhor hoje sairia. Tinha o caminho de volta a casa para vaguear sobre as porcarias que eventualmente ela estaria a referir-se. Um universo tão vasto, mas que ao mesmo tempo poderia tornar-se tão estreito e limitado, a sexualidade.
Ora vamos lá ver... porcarias... e foi trauteando os acordes duma musica de que se lembrara logo ali..
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Did a Bad Bad Thing - Chris Isaak |